Uma mostra sobre a valorização deste subproduto descartado que está atualmente ser aproveitado por mais de 200 produtores nacionais. Exportam já aproximadamente duas toneladas por ano para mercados europeus e asiáticos.
De produto sem valor ao mercado nacional
Durante anos, o própolis — a “cola das abelhas” com propriedades antimicrobianas, antioxidantes e anti-inflamatórias — era ignorado e descartado pela maioria dos apicultores.
Trata-se de um subproduto criado pelas abelhas e atualmente valorizado. Começou através da mobilização muito recente dos produtores de mel, através de alguns investigadores universitários, em conjunto com algumas empresas, que levaram à criação de uma rede que recolhe, qualifica e exporta este produto natural e biológico.
Um dos rostos deste programa é Sandra Barbosa, doutoranda no programa Agrichains (UMinho/UTAD), que em conversa com a RTP Notícias explica que “esta distinção deve-se a muitos anos de trabalho com os apicultores, para mostrar que é possível produzir própolis de qualidade e criar valor no território. Este reconhecimento também é deles. Começámos praticamente do zero. Atualmente temos cerca de 200 produtores que nos trazem duas toneladas por ano e conseguimos exportá‑las com controlo de qualidade”.
(Foto: Sandra Barbosa - UMinho)
A distinção chegou com um Prémio de Melhor Póster de Estudante no “Apimondia”, o maior congresso mundial de apicultura, na Dinamarca.
Sandra Barbosa dá a conhecer o trabalho dos apicultores portugueses e mostra esse caminho de mais de uma década, posicionando Portugal no mapa global do própolis: “Corresponde ao reconhecimento do trabalho que já está a ser feito há muitos anos e de como pode ser importante haver um intermediário entre vários produtores e o cliente final”.Como nasceu o impulso exportador
O ponto de viragem surgiu quando uma empresa alemã pediu quantidades “avultadas” de própolis, sendo que Portugal não tinha tradição de produzir este produto em grande escala. Em resposta a este desafio, houve a necessidade de contactar associações, dar palestras e capacitar os apicultores para recolher um novo produto da colmeia, sem competir com o mel.
“A ideia surgiu da procura de própolis e não existir cá fornecedores. Fomos passinho a passinho para tentar que os apicultores se motivassem a ir buscar um outro produto à colmeia”, explica a investigadora.
(Foto: HiveBoxx - Unsplash)
O que é o própolis e por que razão interessa
Mas o que é o própolis? E como é que este subproduto criado pela abelhas pode ser aproveitado?
O processo surge quando as abelhas recolhem resinas das plantas, produzidas em fases de crescimento ou stress. Depois as polinizadoras misturam‑nas com cera e enzimas para selar e desinfetar as colmeias: “uma espécie de betadine que existe dentro da colmeia”, refere Sandra Barbosa. “Usam [o própolis] na colmeia como um antibiótico natural, fazem tipo um lavapés para que tenham um ambiente assético.(…) “Já desde o tempo dos egípcios, este povo fazia as múmias com vendas impregnadas em própolis.”
(Própolis bruto - Foto: UMinho)
A composição deste produto natural varia consoante a flora e o território, o que explica diferenças de cor, aroma e potencial terapêutico.
Geografia e sazonalidade: onde se produz mais
É nas regiões Centro e Norte que há maior disponibilidade de resinas para a produção de própolis. São os ambientes húmidos que favorecem a colheita destas resinas para as colmeias. Por isso, a maior produção média por colmeia concentra‑se “de Coimbra para cima”, refere a investigadora.
“Em zonas mais húmidas as plantas produzem mais resina”. No Sul, o potencial é menor, mas as abelhas continua a fazer este trabalho.
“Em zonas mais húmidas as plantas produzem mais resina”. No Sul, o potencial é menor, mas as abelhas continua a fazer este trabalho.
Da matéria‑prima ao valor acrescentado: cosmética e alimentação funcional
O consórcio que junta UMinho, Aveiro e parceiros empresariais está a transformar parte do própolis em linhas cosméticas (cremes de dia anti‑rugas com potencial fotoprotetor) e alimentos funcionais, como barras de cereais com dose diária recomendada de própolis.
“Estamos a desenvolver uma linha de cosmética com base no própolis de Montesinho, mas também barras de cereais que incorporam a quantidade diária recomendada de própolis. Isto é como um diamante bruto que enviamos para fora. Se processarmos cá, criamos mais‑valia e postos de trabalho”.O objetivo é obter e reter mais valor no país e criar emprego.
O preço pago ao apicultor, em Portugal, ronda os 60 euros por quilo. Após limpeza, análise e processamento, o produto é posteriormente vendido por cerca de 80 euros, também por quilo, podendo variar o valor consoante certificação biológica. A produtividade média nacional é baixa face a países tropicais.
Sandra Barbosa diz mesmo que no Brasil, um país húmido por natureza e com uma janela produtiva muito maior, um quilo de própolis ronda valores pouco acima de um euro, mas também explica que as qualidades deste produto natural , em comparação produzido por cá, contém menos produto bioactivo.
Sandra Barbosa diz mesmo que no Brasil, um país húmido por natureza e com uma janela produtiva muito maior, um quilo de própolis ronda valores pouco acima de um euro, mas também explica que as qualidades deste produto natural , em comparação produzido por cá, contém menos produto bioactivo.
“Pagamos a 60 euros o quilo (…) vendemos a mais ou menos 80 euros. A diferença tem a ver com mão‑de‑obra de limpeza e custos de análises. Não podemos comparar com o Brasil, que produz cerca de 1 quilo por colmeia/ano. Aqui as abelhas trabalham quatro meses por ano”
(Foto: Bee Naturalles - Unsplash)
Ao acrescentar cerca de 12 por cento ao rendimento de quem já produz mel, o própolis ajuda a fixar população e atividade no território. Mas a fileira enfrenta riscos: perda de apicultores, vespa asiática, varroa, incêndios, alterações climáticas e pressão de importações a baixo preço.
Sandra Barbosa pede uma política pública que reconheça a apicultura como atividade pecuária estratégica, com apoio técnico e financeiro comparável a outros sectores.
“O maior desafio foi fazer os apicultores acreditarem. Se juntássemos muitos pouquinhos, conseguíamos um muito”, lembra a investigadora da UMinho. “Quem está no mundo rural pode ir embora se não tiver rendimento. O própolis pode acrescentar mais 12% ao rendimento de quem já está ligado à apicultura. A apicultura é um parente pobre da agricultura. Tem de haver sensibilidade do Governo para apoiar como os outros produtores pecuários”.
“O maior desafio foi fazer os apicultores acreditarem. Se juntássemos muitos pouquinhos, conseguíamos um muito”, lembra a investigadora da UMinho. “Quem está no mundo rural pode ir embora se não tiver rendimento. O própolis pode acrescentar mais 12% ao rendimento de quem já está ligado à apicultura. A apicultura é um parente pobre da agricultura. Tem de haver sensibilidade do Governo para apoiar como os outros produtores pecuários”.
(Foto: David Clode - Unsplash)
O prémio e o que vem a seguirO galardão conquistado na Apimondia (23 a 27 de setembro, em Copenhaga) sinaliza maturidade científica e empresarial de uma cadeia que quer crescer “trabalhando mais e melhor” com os apicultores, disponibilizando guias de produção e serviços de extração e análise para garantir qualidade e escoamento.