O própolis é uma substância produzida pelas abelhas a partir da rezina das plantas, que misturam com cera e saliva. É usado para proteger a colmeia, defendendo-a contra bactérias, fungos e vírus. Foto: Simon Kadula - Unsplash

Rede de apicultores mostra valor acrescentado do própolis português

Sandra Barbosa, doutoranda no programa Agrichains (UMinho/UTAD), venceu recentemente o prémio de Melhor Póster de Estudante na Apimondia, em Copenhaga, ao apresentar a transformação do própolis em Portugal.

Uma mostra sobre a valorização deste subproduto descartado que está atualmente ser aproveitado por mais de 200 produtores nacionais. Exportam já aproximadamente duas toneladas por ano para mercados europeus e asiáticos.
De produto sem valor ao mercado nacional

Durante anos, o própolis — a “cola das abelhas” com propriedades antimicrobianas, antioxidantes e anti-inflamatórias — era ignorado e descartado pela maioria dos apicultores. 

Trata-se de um subproduto criado pelas abelhas e atualmente valorizado. Começou através da mobilização muito recente dos produtores de mel, através de alguns investigadores universitários, em conjunto com algumas empresas, que levaram à criação de uma rede que recolhe, qualifica e exporta este produto natural e biológico.

Um dos rostos deste programa é Sandra Barbosa, doutoranda no programa Agrichains (UMinho/UTAD), que em conversa com a RTP Notícias explica que “esta distinção deve-se a muitos anos de trabalho com os apicultores, para mostrar que é possível produzir própolis de qualidade e criar valor no território. Este reconhecimento também é deles. Começámos praticamente do zero. Atualmente temos cerca de 200 produtores que nos trazem duas toneladas por ano e conseguimos exportá‑las com controlo de qualidade”.
(Foto: Sandra Barbosa - UMinho)

A distinção chegou com um Prémio de Melhor Póster de Estudante no “Apimondia”, o maior congresso mundial de apicultura, na Dinamarca.

Sandra Barbosa dá a conhecer o trabalho dos apicultores portugueses e mostra esse caminho de mais de uma década, posicionando Portugal no mapa global do própolis: “Corresponde ao reconhecimento do trabalho que já está a ser feito há muitos anos e de como pode ser importante haver um intermediário entre vários produtores e o cliente final”.Como nasceu o impulso exportador
O ponto de viragem surgiu quando uma empresa alemã pediu quantidades “avultadas” de própolis, sendo que Portugal não tinha tradição de produzir este produto em grande escala. Em resposta a este desafio, houve a necessidade de contactar associações, dar palestras e capacitar os apicultores para recolher um novo produto da colmeia, sem competir com o mel.

“A ideia surgiu da procura de própolis e não existir cá fornecedores. Fomos passinho a passinho para tentar que os apicultores se motivassem a ir buscar um outro produto à colmeia”, explica a investigadora.
(Foto: HiveBoxx - Unsplash)
O que é o própolis e por que razão interessa

Mas o que é o própolis? E como é que este subproduto criado pela abelhas pode ser aproveitado?

O processo surge quando as abelhas recolhem resinas das plantas, produzidas em fases de crescimento ou stress. Depois as polinizadoras misturam‑nas com cera e enzimas para selar e desinfetar as colmeias: “uma espécie de betadine que existe dentro da colmeia”, refere Sandra Barbosa. “Usam [o própolis] na colmeia como um antibiótico natural, fazem tipo um lavapés para que tenham um ambiente assético.(…) “Já desde o tempo dos egípcios, este povo fazia as múmias com vendas impregnadas em própolis.”
(Própolis bruto - Foto: UMinho)

A composição deste produto natural varia consoante a flora e o território, o que explica diferenças de cor, aroma e potencial terapêutico.
Geografia e sazonalidade: onde se produz mais
É nas regiões Centro e Norte que há maior disponibilidade de resinas para a produção de própolis. São os ambientes húmidos que favorecem a colheita destas resinas para as colmeias. Por isso, a maior produção média por colmeia concentra‑se “de Coimbra para cima”, refere a investigadora.

“Em zonas mais húmidas as plantas produzem mais resina”. No Sul, o potencial é menor, mas as abelhas continua a fazer este trabalho.

Da matéria‑prima ao valor acrescentado: cosmética e alimentação funcional

O consórcio que junta UMinho, Aveiro e parceiros empresariais está a transformar parte do própolis em linhas cosméticas (cremes de dia anti‑rugas com potencial fotoprotetor) e alimentos funcionais, como barras de cereais com dose diária recomendada de própolis.

“Estamos a desenvolver uma linha de cosmética com base no própolis de Montesinho, mas também barras de cereais que incorporam a quantidade diária recomendada de própolis. Isto é como um diamante bruto que enviamos para fora. Se processarmos cá, criamos mais‑valia e postos de trabalho”.O objetivo é obter e reter mais valor no país e criar emprego.

Economia do setor: preços, custos e escala
O preço pago ao apicultor, em Portugal, ronda os 60 euros por quilo. Após limpeza, análise e processamento, o produto é posteriormente vendido por cerca de 80 euros, também por quilo, podendo variar o valor consoante certificação biológica. A produtividade média nacional é baixa face a países tropicais.

Sandra Barbosa diz mesmo que no Brasil, um país húmido por natureza e com uma janela produtiva muito maior, um quilo de própolis ronda valores pouco acima de um euro, mas também explica que as qualidades deste produto natural , em comparação produzido por cá, contém menos produto bioactivo.

“Pagamos a 60 euros o quilo (…) vendemos a mais ou menos 80 euros. A diferença tem a ver com mão‑de‑obra de limpeza e custos de análises. Não podemos comparar com o Brasil, que produz cerca de 1 quilo por colmeia/ano. Aqui as abelhas trabalham quatro meses por ano”
(Foto: Bee Naturalles - Unsplash)

Impacto rural e desafios estruturais
Ao acrescentar cerca de 12 por cento ao rendimento de quem já produz mel, o própolis ajuda a fixar população e atividade no território. Mas a fileira enfrenta riscos: perda de apicultores, vespa asiática, varroa, incêndios, alterações climáticas e pressão de importações a baixo preço.

Sandra Barbosa pede uma política pública que reconheça a apicultura como atividade pecuária estratégica, com apoio técnico e financeiro comparável a outros sectores.

“O maior desafio foi fazer os apicultores acreditarem. Se juntássemos muitos pouquinhos, conseguíamos um muito”, lembra a investigadora da UMinho. “Quem está no mundo rural pode ir embora se não tiver rendimento. O própolis pode acrescentar mais 12% ao rendimento de quem já está ligado à apicultura. A apicultura é um parente pobre da agricultura. Tem de haver sensibilidade do Governo para apoiar como os outros produtores pecuários”.
(Foto: David Clode - Unsplash)

O prémio e o que vem a seguir

O galardão conquistado na Apimondia (23 a 27 de setembro, em Copenhaga) sinaliza maturidade científica e empresarial de uma cadeia que quer crescer “trabalhando mais e melhor” com os apicultores, disponibilizando guias de produção e serviços de extração e análise para garantir qualidade e escoamento.

“Os próximos passos são trabalhar mais e melhor junto dos apicultores”, conclui Sandra Barbosa.